Por Stephen Kanitz
A maioria dos leitores deve achar uma maluquice as seguidas oscilações nas bolsas de valores. "Prefiro aplicar em imóveis, é mais seguro." "Bolsa é para quem tem estômago, meu negócio é fundo DI." "Bolsa de valores é um mercado de risco, estou fora." Felizmente, a verdade é outra.
Todo dia, menos de 1% das ações é transacionado na bolsa. Na próxima vez em que você ler que "a bolsa cai 10% num dia de intenso nervosismo", lembre-se de que 99% dos investidores nem tomaram conhecimento.
A maioria não vendeu suas posições, só os apavorados o fizeram. Nem o 1% que vendeu em pânico necessariamente perdeu dinheiro, muito menos 10%. Quem comprou ações dois anos atrás vendeu-as com lucro, mesmo que tenham caído no dia exato da venda. Portanto, por que tanta comoção?
Se, em vez de ações na bolsa, você tivesse comprado um flat service num bairro qualquer, um quadro do Scliar ou um livro raro de Camões, você nem saberia quanto o valor desses objetos oscilou nesse "dia de intenso nervosismo". Provavelmente, os preços desses objetos permaneceram na mesma, simplesmente porque ninguém comprou algo parecido no dia.
Na próxima crise financeira, tente vender seu apartamento, seu quadro ou seu livro raro em cinco minutos, como se faz na Bolsa de Valores de São Paulo.
Você simplesmente não vai conseguir, não há bolsa de livros raros, nem de quadros famosos, nem de flat services com movimentação e preços diários.
Se você realmente precisar de dinheiro, provavelmente um corretor poderá vender o que você quer com 30% de desconto, anunciando o que se chama de galinha-morta.
O jornalismo econômico comete enorme injustiça com o mercado de ações, só porque a bolsa de valores é transparente, divulga tudo on-line, tem preços minuto a minuto, o que permite que os jornalistas tenham assunto todo dia. Isso não ocorre no setor de imóveis, de quadros nem no de livros raros.
"Imóveis e quadros raros despencam 30% em dia de muito nervosismo, bolsa de valores tem queda muito menor" é uma manchete que nunca é publicada. Quadros, livros e imóveis ilíquidos num dia de nervosismo valem zero para quem precisa desesperadamente de dinheiro. Mas isso ninguém divulga.
Como todo administrador financeiro saberá lhe explicar, o que varia de fato de um dia para outro é o preço que você paga para ter liquidez imediata. Em dias de "intenso nervosismo", é o preço por liquidez que aumenta, não é o preço da ação que cai. Você poderia ganhar fortunas comprando nessas horas, oferecendo liquidez a gringos apavorados, mas, se você é levado a acreditar que o mundo está despencando, provavelmente sairá vendendo também.
Em dias de "intenso nervosismo", o preço por liquidez poderá ir para 10% do valor da ação e 30% do valor do imóvel. Só que 99% das pessoas se recusam a pagar esse preço por liquidez – preferem esperar que as coisas se acalmem, no que fazem muito bem.
O que ninguém noticia nessas horas de "intenso nervosismo" é que todo dia metade das pessoas está comprando o que a outra metade está vendendo. A metade otimista compra da metade pessimista. Se incluirmos os 99% que continuam com suas ações, mostrando portanto certo otimismo com relação ao futuro, todo dia tem muito mais otimistas por aí do que pessimistas.
Na próxima vez em que você ouvir um comentário de que a bolsa é um mercado de risco, pense duas vezes. A volatilidade da bolsa é bem menor que a dos imóveis, quadros e livros raros, justamente porque tem sempre alguém comprando, mesmo durante uma crise.
Do ponto de vista financeiro, a volatilidade de algo invendável num dia de "intenso nervosismo" é 100%, mas eu concordo que essa posição é um tanto polêmica, e nem todos irão concordar.
Meu ponto, porém, é outro: não é justo considerar alguns mercados "voláteis" somente porque permitem ao comprador vender tudo em questão de minutos, o que não ocorre com quadros, imóveis nem livros raros.
Ações de terceira linha também não têm liquidez imediata, e investidores dessas ações esperam dias melhores, como fazem os de imóveis e livros raros. Mas isso não significa que sejam menos voláteis, simplesmente significa que nesses outros mercados não há cotações nem negócios realizados para virar manchete de jornal.
Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)
Editora Abril, Revista Veja, edição 1959, ano 39, nº 22, 7 de junho de 2006, página 24
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