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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Precificando o que não tem preço

Por Frederico Zornig*

A importância da saúde é indiscutível. E apesar dos avanços tecnológicos da medicina, a cada dia todos estamos mais preocupados com a saúde. Entretanto, os recursos de qualquer pessoa, empresa ou Nação são limitados em algum nível. Imaginem uma situação em que um novo procedimento cirúrgico é criado e você possa prolongar sua vida por 10 anos, entretanto o preço da cirurgia será fixado em R$100 mil. Quantos pacientes poderão ser submetidos ao tratamento? As empresas de convênios médicos ou seguro saúde seriam obrigadas a pagar por isso? O governo pagaria o tratamento para todos os brasileiros? Sobraria dinheiro para pagar partos, outros medicamentos ou saneamento básico? Por outro lado, muitas vezes não é a redução de preço que estimula a demanda. Não é porque uma prótese de ortopedia baixou de preço que isso levará o consumidor a decidir sobre a compra, ou a comprar mais do que precisa para aproveitar a oportunidade. Isso tudo sem falar na complicada e, muitas vezes, pouco transparente relação entre todos os envolvidos na cadeia de valor do mercado de saúde. Por essas razões é que a saúde pode ser considerada o mais atípico negócio que existe sob a ótica de formação e gestão de preços. Não podemos assumir que os modelos econômicos utilizados em outros tipos de mercado possam ser aplicados da mesma forma.

Sempre defendo um processo de precificação baseado em valor percebido pelo cliente (Value Based Pricing), mas colocar um valor na saúde ou na vida de uma pessoa está entre as tarefas mais intangíveis com que já me deparei. É preciso considerar aspectos éticos, subjetivos, religiosos e legais além do tradicional econômico. Não conheço fórmula que possa fazer isso com um mínimo de confiabilidade ou consenso. Em pesquisas realizadas no exterior já foi provado que em geral os mais ricos valorizam mais a vida, ou melhor, associam um valor monetário maior à vida do que os mais pobres. Então, devemos assumir o valor definido pelos ricos ou o valor estipulado pelos mais pobres? Seria justo existirem valores diferentes para uma vida? A vida ou a saúde de um idoso é a mesma, do ponto de vista econômico, a de uma criança? O fato é que ninguém pode prever o quanto vai precisar de cuidados médicos ao longo da vida.  Só podemos antecipar que um dia, alguns de nós, irão passar por algum tipo de tratamento.

No Brasil, em teoria, nenhum de nós deveria se preocupar muito com a saúde (ou com o custo dela), pois saúde é um direito universal garantido pela constituição. Entretanto, em função da qualidade insatisfatória do serviço oferecido pelo governo através do sistema de saúde pública, a parte da população que pode assumir o custo da medicina privada (através de convênios, seguradoras, medicina de grupo etc.) acaba optando por esta alternativa. Em função dessa realidade, podemos inferir que estamos em uma economia de mercado onde inovação, diferenciação, qualidade e preços são atributos percebidos e julgados pelos consumidores constantemente. E, nesse mercado privado, a situação mais comum é que estes consumidores não comprem o tratamento de um ataque cardíaco quando sofrem o enfarte, por exemplo, e sim um seguro quando ainda estão com boa saúde. Nesse cenário, quando uma pessoa fica doente, o dinheiro ou o preço do tratamento passam a ser secundários para o paciente.

Entretanto, é neste momento que toda a cadeia de valor da saúde privada começa a funcionar e os problemas de precificação a transparecer. Idealmente, ao ser hospitalizado, um paciente deveria receber serviços e medicamentos tecnologicamente avançados disponíveis no mercado, com a melhor relação custo-benefício, para que sua recuperação fosse rápida e viável. Em alguns casos, porém, o acesso ao que existe de melhor é restringido por quem vai ter que pagar a conta, isto é, as empresas operadoras de saúde. Essa realidade passou a existir justamente pela queda de braços de lucratividade no setor e pela falta de transparência no mercado.
O governo limita os percentuais de aumento que as operadoras podem repassar aos assegurados em vez de deixar que, como em qualquer economia de mercado, as operadoras cobrem o quanto determinam dos seus segurados, que por sua vez poderiam optar pela seguradora que oferecesse a melhor proposta de valor, em sua ótica.  Ou seja, aqueles que valorizam muito sua saúde e querem o melhor serviço, pagariam muito mais do que os atuais R$ 500,00 mensais, que é a média de mercado para um bom plano familiar hoje em dia. Se as empresas do setor puderem operar e cobrar livremente, aspectos mercadológicos como segmentação e diferenciação seriam mais fáceis de serem implementados.
Em função das restrições que sofrem para aumentar seus preços, as operadoras passaram a pressionar os hospitais para redução de custos nas diárias hospitalares, assumindo que estes admitiam mais pacientes do que o necessário e que os deixavam também mais tempo que o necessário para tratá-los. Com a pressão de redução de custos nas diárias hospitalares, os hospitais conseguiram encontrar uma forma lucrativa de serem remunerados por meio da cobrança de materiais médicos e hospitalares, que por sua vez também passaram a ser pressionados em quantidade e valor pelas operadoras, chegando até a restrição de seu uso em determinados casos.

No meio dessa situação ainda, encontram-se os provedores do serviço, médicos e cirurgiões, que em última instância ainda são os responsáveis pelo tratamento. Mas também não passaram ilesos pelo processo de pressão de custos, sendo obrigados muitas vezes a limitar o que usar e quanto usar; ou solicitar aprovação prévia às empresas operadoras de saúde sobre o que gostariam de utilizar. Com isso, foi aberto um espaço para uma área delicada de interação da indústria de materiais médico-hospitalares com os provedores, para que gerassem demanda de seus produtos. Para piorar, caminhando na contramão dessa realidade, as indústrias, principalmente as multinacionais, continuaram desenvolvendo soluções cada vez mais complexas e de preço elevado para um sistema pressionado por todos os lados. Não possuo evidência sistemática de como as pressões por custos conduzidas pelas operadoras afetaram a lucratividade dos hospitais ou a remuneração dos médicos, mas arrisco a dizer que o mercado, como um todo, hoje sofre com a rentabilidade do sistema e cada um tenta extrair o que pode.

A solução do problema deve passar por uma flexibilização por parte do governo com relação ao controle de preços das operadoras para seus clientes. Atualmente, existem cerca de 40 milhões de brasileiros no sistema de saúde privado e, provavelmente, boa parte deste público estaria disposta a pagar mais por melhores serviços, facilitando a entrada de novas tecnologias por parte das empresas inovadoras do mercado. Além disso, com maiores margens no segmento de maior valor, as empresas poderiam desenvolver produtos mais baratos para permitir o acesso das camadas mais baixas da população, pois operadoras mais lucrativas, recebendo mais pelos seus serviços, dos clientes menos sensíveis a preço, certamente teriam condições de oferecer planos básicos mais baratos que os atuais para um grupo da população mais pobre, financiando em parte este novo segmento, com os valores adicionais recebidos do segmento premium.
Os hospitais, por sua vez, poderiam dedicar-se mais em qualidade e diferenciação. Tendo trabalhado no mercado médico-hospitalar por alguns anos, posso afirmar que melhorias no modelo de gestão e qualidade nos hospitais brasileiros poderiam reduzir os custos do sistema com uma maior eficiência nos processos de entrega dos serviços. Em um cenário de redução de custos, o monitoramento e controle de processos para minimizar erros e desperdícios, torna-se fundamental. Outra alternativa neste ambiente seria a consolidação.  Estranho a falta de redes de hospitais no Brasil. Normalmente são muito regionalizadas (exemplo: Rede D’Or, no Rio) ou com muito poucos hospitais pertencendo a um mesmo grupo (exemplo: Grupo Vita). Associações com grupos de investimentos para a consolidação de uma rede nacional de hospitais privados com uma marca forte, reproduzindo processos e reduzindo os custos de gestão poderiam ser benéficos para todos. Uma outra alternativa para hospitais menores sobreviverem em um cenário muito competitivo, seria a especialização. Hospitais inteiros dedicados a uma especialidade cirúrgica certamente levaria a uma redução de custos por meio do controle de um processo mais rotineiro. O hospital poderia reduzir estoques possuindo apenas materiais daquela especialidade, adaptar suas atividades para apenas um tipo de doença e ver suas margens aumentar por eficiência.

Médicos e cirurgiões devem buscar a especialização e ganhar com a diferenciação de seus serviços. Para os melhores médicos, valores maiores deveriam ser pagos por operadoras e pacientes. A realidade de todos receberem o mesmo de uma operadora por uma cirurgia de hérnia, por exemplo, deveria ser extinta. Por mais complexo que possa parecer no início, as fontes pagadoras deveriam desenvolver maneiras de acompanhar os resultados de longo prazo de seus médicos conveniados e premiarem com mais dinheiro aqueles que conseguem melhores resultados. E punir aqueles que trabalham mal. Por exemplo, imaginem que um médico receba R$1000,00 para um procedimento de hérnia inguinal, e tenha um índice de recidiva de 20%, ou seja, de cada 100 pacientes que ele opera, 20 têm que ser operados novamente em 5 anos. E outro que possui índice de recidiva de 2%. Hoje, a maioria das operadoras não diferencia esses dois profissionais e paga R$1000,00 para cada procedimento, independentemente do médico. Uma vez que ela passe a saber que um deles consegue garantir quase a inexistência de recidivas para as hérnias operadas, este médico deveria ser recompensado por isso. Até mais do que o que ele ganha fazendo outro procedimento (pois a empresa também vai economizar na internação etc.). Só que, como não diferencia o melhor do pior, hoje o incentivo do médico é fazer o procedimento sem muito cuidado, pois sabe que daqui a alguns anos o paciente pode retornar para ele refazer a mesma cirurgia e faturar outra vez.

Por fim, os pacientes. Nós, consumidores do mercado da saúde, deveríamos lutar pela liberdade de preços no setor. Basta olharmos o que está acontecendo com a cirurgia plástica no Brasil, que diferentemente do restante do mercado, é regulado por leis de oferta e demanda, qualidade e preço. Evidentemente também contam com muito marketing e exploração da mídia sobre o assunto. Mas, o crescimento tem sido encorajador. A disciplina que até 10 ou 15 anos atrás era lugar de residente que não sabia operar, pois os melhores se especializavam em cardio ou neuro, hoje é a área em que a maioria dos alunos de medicina quer trabalhar. Por que então devemos ficar regulamentando tanto o mercado de saúde privado? Como consumidor, desejaria poder escolher a melhor oferta de valor para meu plano de saúde. Gostaria de saber que poderia ter acesso ao que existe de melhor no mercado e ter a confiança de que, pagando um preço elevado, seria bem atendido com os meus interesses em primeiro lugar, em vez de algum interesse econômico prevalecendo.

É importante ressaltar que, serviços têm um componente de intangibilidade que impacta a percepção de preço de forma muito mais forte, do que quando escolhemos pela compra de um produto. Em função dessa subjetividade e dificuldade de avaliação antes de recebermos o serviço pelo qual vamos pagar, soluções que podem ser aplicadas pelos envolvidos neste mercado devem também estar ligadas à redução da percepção de risco. Por exemplo, todo consumidor associa um preço maior a uma qualidade superior. Adotar preços mais altos que o concorrente, pode ajudar uma empresa prestadora de serviços a ser percebida como melhor que outra com preços menores. E para ajudar o consumidor ou o cliente a escolher, a adoção de práticas, como garantias do serviço prestado por exemplo, pode facilitar o processo decisório de pagar mais por algo melhor. Ainda mais quando estamos falando de saúde.
Para concluir, em um ambiente mais flexível e desregulamentado, deveria existir outro fator importante que está ausente no modelo atual: transparência. Falta aos elos da cadeia produtiva enxergarem o processo como um todo, para que uma relação de ganho para todos possa ser desenvolvida. O foco de cada um dos envolvidos apenas em maximizar sua rentabilidade, sem a visão de um todo, dificulta a criação da solução necessária de longo prazo. Enquanto não aumentarmos o tamanho do mercado de saúde privada no Brasil, dificilmente encontraremos uma saída para a crise no setor. A resposta passa por preços maiores para quem estiver disposto a pagar por melhores serviços, e com essa margem adicional financiando o mercado de preços baixos para mais consumidores entrarem no sistema de saúde privada, desonerando o governo e a sociedade. Afinal de contas, saúde não tem preço!

Zornig, Frederico

Por Frederico Zornig - sócio e fundador da Quantiz Pricing Solutions® (www.quantiz.com.br) e presidente do capítulo latino-americano da Professional Pricing Society (PPS).

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